Os medos de um boca virgem


          Nem sempre as pessoas têm sorte de amadurecerem e aprenderem certas facetas da vida quando adolescentes. Algumas esperam o momento certo para começar a trabalhar, outras preferem não perder a virgindade antes do casamento, ou até mesmo desistem totalmente de explorar a sexualidade e acabam virando padre ou freira. Certas atitudes e momentos acabam se concretizando somente na fase adulta, mas já ouviu falar de alguém que nunca tenha se quer dado uma bitoca em algum parente, nem mesmo quando ainda bebê? Se nunca antes ouvira falar sobre alguém tão azarado a este ponto, pois prepare a mente que essa é a história de Leonardo, mais conhecido como Fubá e por ainda ser 'bv' aos plenos 28 anos.
          Seu apelido é Fubá justamente pelo fato dele já ter dado bolo em todas as meninas que tentaram ficar com ele. Acontece que Léo é extremamente autêntico e vive sua vida de maneira controlada, o que chega a ser um absurdo para quem o conheça. Desde o acordar até o dormir existe um cronograma pessoal para cada porção de minutos de seu dia, o tornando muito sistemático. Mas, esse comportamento vem desde a infância, em que ele foi desenvolvendo, aos poucos, as suas rotinas controladas, pois, em sua casa não havia cronograma algum e seus pais até mesmo esqueciam de buscá-lo na escola, ou deixavam ele se virar para almoçar - o que seria algo comum para alguém que não fosse uma criança de 8 anos. Então, certos traumas e desleixos o transformaram em uma espécie de robô humano. 
          Bom, você deve estar se perguntando: "tá bom, ele é controlado e tal, mas por que nunca beijou ninguém?". Eis o mistério, afinal oportunidades não faltaram dentro de seu médio tempo de vida. O mais interessante é que ele vive em bares, festas, baladas, puteiros e nunca se quer conseguiu um mínimo contato íntimo com nenhuma mulher. Um dia lhe perguntaram se ele gostava de jeba e a resposta foi um "não" bem convicto, digno de quem certamente já até apalpou alguma para saber se gosta ou não. Será que é apenas o medo do fracasso com pessoas do sexo oposto? Seus amigos dizem que é porque ele parece um rato no buraco, que ele não tem atitude e nem presença. Certo dia, há uns dois anos atrás, ele estava junto de seu amigo Théo no bar mais movimentado da cidade. Quando apareceu uma oportunidade ótima de investida no momento em que duas meninas se sentaram em uma mesa próxima à deles.
THÉO: Olha ali aquelas duas gatas, bora chegar nelas e tentar um papo?
LÉO: Não.
THÉO: Poxa, Léo! O que custa você, pelo menos, me acompanhar até a mesa delas?
LÉO: Custa meu tempo.
THÉO: Deixa de ser xarope uma vez na vida?! Você disse que tirou duas horas para sair hoje, estamos aqui faz meia hora. Em uma hora e meia muita coisa pode acontecer e, sinceramente, você não tem a perder me acompanhando lá. Muito pelo contrário, creio que possa ajudar você desencalhar.
LÉO: Não estou encalhado e não estou interessado. Se nunca fiquei com alguém até hoje foi por opção. 
THÉO: Opção dos outros, é claro.
LÉO: Por quê você quer tanto ir lá? Você sempre tenta forçar uma situação para ver se eu consigo sair com alguma menina. Isso vai acontecer quando for para acontecer e vai ser com você por perto, ou não, entendeu?
THÉO: Claro que entendi, sempre apoio as suas maluquices. Mas Léo, você já está com 26 anos e a sua época de descobrir sobre essas paradas de relacionamento já passou. Eu entendo que você tem seus afazeres, suas manias e até mesmo compreendo a sua paciência perante a isso. Só que uma mulher da sua idade não vai querer ficar com alguém que não saiba usar a boca para outra coisa que não seja falar ou comer.
LÉO: Você faz muita questão que eu vá com você até ali, né?
THÉO: É o mínimo que você faria por nós.
          Dedicado a apoiar o amigo em sua busca por parceiras, os dois acabaram se sentando junto de Jéssica e Mariana. O resultado dessa interação foi uma novidade na vida de Léo, já que pela primeira vez assumiu publicamente para uma mulher que nunca havia beijado. Entre papos descontraídos, uma hora e meia passaram voando, isso fez com que ele decidisse ir embora. Mas, pela primeira vez, a sua vontade era de extrapolar o tempo que reservara para aquele momento, pois havia encontrado alguém que trabalhasse no mesmo ramo e as ideias estavam batendo.
LÉO: Já peço desculpas pela inconveniência, mas tenho de ir.
MARIANA: Sério mesmo? Tem algum compromisso marcado para às onze e meia da noite?
THÉO: Não se preocupe, Mari. Ele tem o dia inteiro cronometrado e é assim mesmo. Deu o horário ele para o que está fazendo, parte para outra coisa até dar o horário dessa outra coisa e por aí vai.
LÉO: É exatamente como ele disse e, infelizmente, terei de ir, mesmo querendo ficar um pouco mais. Adorei conhecer vocês.
JÉSSICA: É uma pena mesmo você ter de ir, até a próxima. Foi um prazer te conhecer, Léo.
MARIANA: Foi um prazer te conhecer, também. Aliás, você poderia anotar o meu número? Você sabe muito bem como é a vida de programador e, às vezes, a gente precisa de um hardware emprestado, ou dicas sobre o que utilizar para ter mais eficiência no trabalho.
LÉO: Passe o seu número para o Théo que daí ele me passa, estou extremamente atrasado. Eu te ligo, Mari. Até mais pessoal.
JÉSSICA: Ele é o tempo todo estranho dessa maneira, Théo?
THÉO: É. Nem mesmo um general tem tanta disciplina e autoridade sobre si mesmo quanto o Leonardo. Ele é muito divergente, de todos os meus amigos ele é o único que me abandona de maneira inusitada nos lugares, ou que lava a louça quando vai me visitar.
MARIANA: Ele é autista?
THÉO: Não, ele é Batista. A família dele era daquelas bem desistabilizada sabe?! Os pais sempre o esqueciam nos lugares, ele vivia sujo porque não davam banho nele e até mesmo brigavam, de porrada, na frente dele e não tinham responsabilidade nenhuma. Viviam na veia dos pais que eram ricos, mas depois os velhos morreram e com dezesseis anos perdeu os pais em um acidente. No fundo ele ficou órfão e vem batalhando sozinho desde, então.
JÉSSICA: Então ele deve ter passado por muita dificuldade, né?!
THÉO: Dificuldade passaria eu que não ia ter onde cair morto. Mas a grana dos avós passou para os pais, que depois passou para ele. Ele pagava uma empregada que fazia de tudo, daria banho nele se precisasse. Fez tudo o que quis e no tempo dele. A única coisa que ele nunca conseguiu fazer foi beijar alguém. 
MARIANA: Caramba, que história triste a dele né? A pessoa pode até ter dinheiro, mas o tanto que ele sofreu com os pais e com a morte deles dá pra ver em seus olhos que é um cara sofrido. Creio que beijar seja o menor problema para ele, por isso nunca se preocupou em ir atrás disso. Vou te passar meu número, daí você repassa. Espero que ele me ligue, mesmo, porque pareceu ser bem inteligente e, como acabei de me formar, qualquer ajuda é muito importante.
          Léo nunca ligou para Mariana e demorou mais dois anos para que algo mudasse nos planos dele. Ao realizar uma palestra sobre a arte de programar, em uma universidade de alto escalão da cidade, ele logo avistou em seu público uma mulher extremamente atraente e que estava jogando charme. Logo que acabou a apresentação, a moça foi até ele e extraiu uma conversa fiada - dessas de deixar qualquer marmanjo empolgado - e conseguiu tirar dele o que antes nenhuma outra mulher conseguira: uma carona.
          Tempo chuvoso, em meio a uma rua escura, a moça pediu para Léo parar o carro. Logo sacou uma arma de sua bolsa e o obrigou a dar o carro e todo o dinheiro. Gotas pesadas e geladas d'água escorriam em seu rosto enquanto observava uma ladra cantar pneu e sair vazada com o seu carro, que fazia pouco tempo que havia comprado.
          Andando pelas ruas escuras, sob uma forte chuva e desolado pelos piores sentimentos possíveis, carros passavam pelas poças e jogavam ainda mais água sobre a sua roupa já em sopa. A distância de sua casa era grande e não tinha nenhum tostão para pegar um ônibus. Dentre vários carros, buzinas e jorradas de águas sujas, eis que surge uma pessoa solidária em meio a tanta desgraça. Um carro encostou e a pessoa que dirigia causou espanto pelo tamanho do acaso.
MARIANA: Oi, o senhor gostaria de uma carona?
LÉO: Estou muito bem aqui, muito obrigado pelo ato de generosidade.
MARIANA: Pera aí, eu te conheço de algum lugar.
LÉO: Muita gente me conhece, sou Leonardo Batista e faço palestras sobre programação de computadores, então já deve ter assistido alguma palestra minha.
MARIANA: É isso mesmo, você é o Léo! Eu sou a Mariana, Léo, não lembra de mim?
LÉO: Não.
MARIANA: Olha pra mim que você vai lembrar. Entra no carro, está chovendo muito.
LÉO: Pois é, Mariana, já estou sabendo disso!
MARIANA: Entra logo no carro, Léo. Eu não vou deixar você andar nessa rua perigosa com o mundo caindo em água.
          Ele sabia muito bem quem era ela, até porque guardar rostos e nomes é uma das especialidades dele. Então, acabou aceitando a generosidade da carona e foi para a sua casa sem mesmo dar um pio sobre o que havia acontecido. Na verdade não rolou papo nenhum.
       Ao chegar na sua casa, ele a agradeceu de modo breve e deixou um cartão para contato profissional, pois, Mariana havia pedido. Passaram-se uns dias e tocou o seu celular: era a Mariana.
LÉO: Leonardo Batista programador, com quem eu falo?
MARIANA: Oi Léo, é a Mariana. Tudo bem?
LÉO: Tudo bem sim, e com você?
MARIANA: Tudo ótimo. Você tem algum compromisso hoje a noite?
LÉO: Tenho.
MARIANA: Mas, assim... você não teria nem mesmo um tempinho?
LÉO: Quanto você precisa?
MARIANA: Como assim, Léo?
LÉO: Quanto de tempo você precisa para me dizer o que quer?
MARIANA: Sei lá, uns 10 minutos.
LÉO: Então fale por aqui.
MARIANA: Mas tem de ser pessoalmente, Léo. Queria conversar com você. Te achei muito abalado aquele dia que te dei carona.
LÉO: Aquele foi um dia ruim. Obrigado pela carona novamente, mas tenho de desligar se não for falar nada.
MARIANA: Já percebi que não quer ajuda, ou até mesmo conversar. Tudo bem, então. Agora tem o meu número e se quiser conversar pode me ligar, tá bom?´
LÉO: Tá. Até mais.
          Por mais que seja rude consigo mesmo, acaba sendo também com as demais pessoas em sua volta. Porém, dessa vez ele ficou pensativo em ter simplesmente negado um possível encontro - coisa que não fazia há muito tempo - e resolveu ligar para Mariana e dar a ela meia hora do seu tempo para que pudessem por o papo em dia. Então, se encontraram à noite em um café e desembucharam assuntos enterrados de dois anos atrás.
MARIANA: Você disse que ia me ligar e ainda bem que não esperei de pé, não é mesmo?
LÉO: Eu disse apenas para te confortar por não pegar pessoalmente o seu número. Eu sou bem complicado, mesmo, não tente entender. Aliás, muito gostoso esse seu perfume.
MARIANA: Obrigado pelo elogio. E tudo bem, você não foi o único a me dar bolo, então não se preocupe. 
LÉO: Eu sou um especialista em dar bolos. Tanto que não é a toa que o meu apelido é Fubá, e eu não considerei um bolo dado em você, já que você disse que queria um contato mais profissional e te garanto: gente me ligando o tempo todo querendo saber de programação é o que mais tem. Não pegar o seu número e, consecutivamente, não ligar para você seria uma chatice a menos no meu dia a dia. Mas, pelo que percebi, você não queria apenas um contato profissional, né?!
MARIANA: Muito obrigado pela honestidade, senhor Fubá, doeu como uma cólica renal em plena TPM. Só que eu te entendo, não deve ser fácil ser o melhor programador da cidade. Eu só queria poder conversar com você, te achei muito atípico aquele dia, me pareceu um tipo interessante. Porém, você frustrou totalmente as minhas expectativas me deixando no vácuo, mas agora consegui entender o porquê de você não cumprir com o que disse. Confesso que, no fundo, eu achei que estivesse morrendo de medo, já que nunca tinha beijado nenhuma mulher até aquele dia.
LÉO: E continuo sem ter beijado. Não sinto essa necessidade. Apenas acho que vai haver um momento certo e a pessoa certa para eu poder descobrir essa sensação que todos dizem ser uma das melhores que um humano pode sentir. 
MARIANA: Ficaria incomodado se eu te beijasse agora?
LÉO: Totalmente. Eu não iria conseguir, acho. Você quer me beijar de verdade?
MARIANA: Se você aceitar, eu farei a minha parte muito bem feita. É só seguir o meu ritmo e o meu toque que não tem mistério nenhum. Eu realmente estou disposta a te ajudar com isso, afinal, já são 28 anos sem conhecer uma coisa tão simples como o beijo.
LÉO: Então tá, se você quer mesmo me ajudar. Não vou deixar essa oportunidade passar.
        Nesse exato momento os dois se aproximaram. Léo tremia e suava fino enquanto a Mariana ia apenas aproximando seu rosto. Olhares direcionados para a boca um do outro e o momento era de muito romantismo, por mais que parecesse algo técnico e sem química. Na hora de selar o atrito, o contato e o toque dos lábios, Léo sente-se muito nervoso e desiste de prosseguir com o beijo. De maneira muito constrangedora, corre para o banheiro e fica por lá. Faltando pouco tempo para dar meia hora, ele sai do banheiro cabisbaixo e com uma expressão de vergonha por não ter dado à Mariana o beijo que ela pediu.
LÉO: Desculpa, Mari. Eu não consegui, não sei o que deu em mim, comecei a passar mal com a situação. Sinceramente, me desculpa por não poder te beijar.
MARIANA: Você é a pessoa mais esquisita que já conheci, Fubá. E não precisa se preocupar, não vou morrer porque você desistiu de tentar, pelo menos você arriscou. Talvez eu não seja a pessoa certa, como você disse. Mas, olha só, estou disposta a te ajudar com isso. Você aceita a minha ajuda?
LÉO: Como assim? 
MARIANA: Vou te ajudar com o beijo: vamos arrumar a pessoa certa, o dia certo, a hora certa e tudo o que mais for de certo para você tirar logo esse 'bv'. Você só vai precisar dedicar uma horinha do seu final de semana comigo em alguma balada. Se você topar, eu vou dar os meus pulos para te transformar do esquisito que nunca beijou no esquisito garanhão. O esquisito não dá para melhorar, pra isso acontecer é só nascendo de novo.
LÉO: Então está certo. A partir de hoje terá uma hora diária comigo. Logo pela manhã você me liga dizendo onde e o horário que daí darei um jeito de te encontrar. Eu vou indo, já deu meia hora.
MARIANA: Ótimo. Mas, antes de você ir, me responda uma pergunta. O que aconteceu naquele dia em que te dei carona?
LÉO: Fui seduzido por uma mulher da platéia, que me pediu carona e eu aceitei achando que dali poderia acontecer o momento certo para avançar na minha jornada sexual. Acontece que a moça era uma ladra, que me apontou uma arma e me roubou todo o meu dinheiro e o meu carro, me deixando a pé a uns quinze quilômetros de casa, em pleno temporal, na rua mais perigosa da cidade.
MARIANA: A tá.
        Dia a após dia eles se encontravam para que a tirada de atraso de Léo fosse finalmente concretizada. Assim, ela o ensinou tudo o que se deve saber para poder conquistar uma mulher e ele, muito atencioso, procurou aprender todas as lições possíveis. Dentre as lições, as mais importantes como: tratar bem, ser gentil, ser generoso, não desrespeitar ou ofender, ser atencioso e prestativo. Coisas do mais básico e que são essenciais para o ato da conquista. Fora isso, ela o ensinou a ser charmoso e a como identificar se há uma troca de charme, também mostrou a ele que a sedução parte primeiramente pelo olhar, e depois é que deve-se haver a comunicação, de maneira autêntica e objetiva, nada de mentiras ou bajulações, que também é importante saber elogiar corretamente sem parecer desesperado, ou totalmente interessado na pessoa e, principalmente, saber fazer a pretendente sorrir.
          Foram dias de aprendizado até que chegou o momento do teste: em um supermercado. O lugar aparentemente não é dos melhores, mas é o mais tranquilo para iniciar uma tentativa de aproximação.
LÉO: Nunca puxei papo com ninguém em um supermercado, tem certeza de que aqui é o melhor lugar?
MARIANA: Aqui não é o lugar mais apropriado, mas se a abordagem for feita corretamente, creio eu que você terá no mínimo o contato da pessoa. 
LÉO: Da primeira vez que nos conhecemos não lembro de ter feito metade das coisas que você me ensinou e você quis passar o seu número para mim.
MARIANA: Naquele dia eu queria pegar o seu contato por causa de estar recém formada e qualquer ajuda era de grande importância. E também porque achei você um gatinho.
LÉO: Hum... Sério isso?
MARIANA: Não. Olha lá uma mulher sozinha. Parece ser mais nova que você e está sem aliança, então significa que provavelmente não é casada, ou não tenha um namorado. Também está sem filhos, o que aponta não ser uma mãe solteira.
LÉO: Nossa, Sherlock Holmes. Devia ser detetive em vez de programadora, você se daria bem nisso.
MARIANA: Nós mulheres sabemos ler nas entre linhas e interpretar certas coisas sem estudar sobre o assunto. Vocês homens é que são burros demais, ou tarados demais a ponto de apenas olhar a mulher como um objeto sexual atrativo. Perdem tempo demais olhando para bunda e peito em vez de tentar algo mais decente, como uma conversa, por exemplo.
LÉO: Vou anotar esse esporro no meu caderno de críticas e sugestões.
MARIANA: Vai lá, pega uma coisa perto dela e deixa cair. Se conseguir fazer com que o produto caia o mais próximo dela, aí ela vai pegar e te devolver. Você não pode dar na cara que está dando uma migué, então aproveita para questionar se já a conhece. 
LÉO: Só que eu nunca vi ela na vida. Por quê eu diria isso?
MARIANA: Porque é a única maneira mais objetiva de tentar causar curiosidade em uma mulher num lugar como esse. Você é lento, hein?! Vai logo lá e faça o que eu te disse, mas com naturalidade, por favor.
          Então Léo se aproxima da moça, procura algum produto que dê para derrubar sem quebrar. Assim que acha um, subitamente o arremessa para trás sem ao menos ver aonde está jogando e acaba acertando na canela da mulher. Ela se espanta e corre com o carrinho para longe dali. Léo troca olhares com a Mariana e ela, inconformada, pede para ele ir perto de uma outra que estava logo atrás. Ele novamente tenta outra aproximação e, dessa vez, derruba um produto de maneira mais sutil, que cai ao lado de uma senhora que estava procurando ervilhas. A senhora devolve o produto e joga um charme para ele, mas Léo estranha a situação e dá um jeito de fugir daquela velha tarada.
         Em sua última tentativa, avista uma menina próxima do freezer de congelados. Rapidamente pega um produto, olha para Mariana - que faz um sinal de negativo, mas ele não dá bola - e continua com a investida, deixando cair bem perto da menina. 
MENINA: Moço, você deixou cair aqui ó.
LÉO: Ah sim. Muito obrigado!
MENINA: De nada.
LÉO: Desculpa a pergunta, mas acho que nos conhecemos de algum lugar?!
MENINA: Será? Eu não estou lembrado de te conhecer. Mas seu rosto também me é familiar.
LÉO: Você não é a Bianca, secretária do Dr Paulo?
MENINA: Não, me chamo Letícia. Errou o nome, mas acertou em eu ser secretária. Não sou do Dr Paulo, sou da Doutora Abigail. Agora o seu nome eu não consigo me lembrar de jeito nenhum...
LÉO: Sou Leonardo, mas o pessoal me conhece como fubá.
MENINA: Hahaha que apelido engraçado.
LÉO: Apelido ótimo. Olha, da última vez que eu te vi, parece que você deu uma mudada.
MENINA: Mas para bem, ou para mal?
LÉO: Para bem. E muito bem, por sinal. Deu uma encorpada, andou fazendo academia?
MENINA: Que nada, moço. Isso aqui é comida de vó mesmo. Mas eu dei uma esticada sim. Já era hora mesmo, a gente não pode ser criança pelo resto da vida não é mesmo?
LÉO: Nossa, mas isso foi há muito tempo atrás, né? Já não é mais criança faz tempo.
MENINA: Hahahaha. Ai moço, você é engraçado, viu.
MARIANA: Oi, meu bem. Vamos indo?
LÉO: Oi minha querida. Mas já? Estou conversando com a minha amiga que não via há muito tempo aqui.
MARIANA: Olá menina, tem quantos anos?
MENINA: Oi. Tenho quinze. Por quê?
MARIANA: Viu só. Devia ter visto o meu sinal!
          Mariana arrasta Léo dali o mais rápido possível, o coloca no carro e explica o porquê de ter dado o sinal. Acontece que na hora ela sacou que a menina não devia ser maior de idade e que, hoje em dia, com tanto incentivo à academia, dietas e desenvolvimentos hormonais precoces, as novinhas parecem ter uma idade muito acima da que realmente possuem. De certo modo são de fáceis conquistas, pois ainda desconhecem de muita coisa e possuem um aguçado apetite de experimentar novas aventuras. E que é preciso tomar muito cuidado para não correr o risco de se relacionar com uma menina tão jovem, pois há muitos fatores de riscos envolvidos, principalmente o de ir parar na cadeia.
          A segunda tentativa foi uma ida ao mesmo café em que conversaram noutro dia. Lá é um lugar que tem a possibilidade de conhecer gente nova e é mais tranquilo que bares, ou baladas. Assim que chegaram, o café estava aparentemente vazio e esperaram sentados, conversando, enquanto aparecesse alguma mulher de potencial para uma nova investida.
LÉO: Como anda o seu trabalho, já conseguiu se firmar na carreira de programadora?
MARIANA: Deu tudo errado e hoje sou revendedora da Hinodé.
LÉO: Sério isso? Vou até me sentir mal de não ter te dado apoio.
MARIANA: Brincadeira, Fubá, mas já vendi um dia. Tenho me dado muito bem, cresci bastante e até abri uma empresa com o meu irmão.
LÉO: Olha que legal, Mari. Ele é programador também?
MARIANA: Não, ele vende tekpix.
LÉO: Oi?
MARIANA: Olha lá uma mulher muito bonita para você arriscar. Faz do jeito que te ensinei e vê se não estraga dessa vez.
          Léo ajeita a roupa, testa o hálito, corre no espelho do banheiro para dar uma conferida no cabelo. Ao certificar-se de que estava tudo no jeito, pegou a fila logo atrás de sua nova pretendente. Era a oportunidade de perder o bv com uma mulher digna de ser candidata a miss universo.
BALCONISTA: Olá, qual é o seu pedido?
MENINA 2: Eu vou querer um cappuccino médio com chantili.
LÉO: É uma ótima escolha, o cappuccino daqui é muito bom. Já provou a tortilha de nozes com creme de chocolate e avelã?
MENINA 2: Não posso, sou diabética.
LÉO: Desculpa, erro meu. Mas eles também vendem tortilhas fit.
MENINA 2: Não gosto de tortilha.
BALCONISTA: Aqui está o seu pedido.
MENINA 2: Obrigado.
LÉO: Eu estou sozinho aqui, poderia me fazer companhia em minha mesa?
MENINA 2: Tchau.
BALCONISTA: Vai pedir o alguma coisa, senhor?
LÉO: Cú doce, tem aí?
BALCONISTA: Temos não, senhor.
LÈO: Se quiser, basta pedir para a moça que acabou de retirar o pedido. Aquela ali tem de sobra!
MARIANA: Não conseguiu nada?
LÉO: Nada. Talvez ela seja bonita demais, ou egocêntrica demais para mim.
MARIANA: O seu erro foi desistir logo na primeira tirada, ou seu papo foi bem bosta mesmo.
LÉO: Puxei um assunto falando de doce e ela é diabética.
MARIANA: Diabética? O que foi que ela pediu pra tomar, você sabe?
LÉO: Cappuccino com chantili.
MARIANA: Diabética nada, diabólica talvez. Como é diabética e pede chantili de cobertura, que é puro açúcar? Ela só queria te dar o fora. Faz o seguinte: volta lá e pede desculpas pela inconveniência, diz que a achou atraente e pensou que ela não se incomodaria com uma simples conversa. Não espera ela falar nada, apenas saia dali e sente em outra mesa.
LÉO: Qual a chance disso dar certo?
MARIANA: A mesma que o Bill Gates me oferecer um trampo na Microsoft. Mas, quem não arrisca não perde o bv, não é mesmo?!
          Desengonçado, Fubá toma o rumo pra mesa da moça extremamente bonita, porém, chata feito uma ameba. Ele sabia que as chances da dica de Mariana dar certo eram mínimas, mas arriscou mesmo assim.
LÉO: Moça, desculpa aquela hora por ter te incomodado. Eu vim sozinho, percebi que também estava e que é muito bonita, então achei que não fosse ligar de bater um papo. Desculpa, mais uma vez viu.
          Jogou as palavras ao vento e saiu de perto. Por ironia do destino, a moça se espantou de uma maneira positiva com aquela atitude inusitada e resolveu questioná-lo do súbito abandono.
MENINA 2: Ei rapaz, não vai nem deixar eu falar? Desculpa por ter sido grossa, mas é que não estou num dia muito bom e só queria um pouco de paz.
LÉO: Que nada, o erro foi meu. Até mais, fique em paz.
          Assim que Léo se senta em uma mesa, sozinho, não dá alguns minutos e a mulher bonita pede licença e se senta em sua mesa. Puxou vários assuntos que falavam sobre si mesma - coisa que gente egocêntrica ao extremo ama fazer. E não é que apenas ouvir, fazer algumas brincadeiras sem graças e incentivar a moça, fez com que ela se interessasse e, por um momento íntimo, já havia até contatos físicos preliminares rolando?!
          Mariana sentou-se em uma mesa próxima, espantou dois caras que vieram puxar papo e continuou assistindo à cena, de maneira discreta. Ao se despedir, Léo guiou a mulher até o carro dela e o mais inusitado aconteceu: ela queria um beijo.
          Por mais que tivesse se preparado tanto, a mulher fosse um espetáculo de beleza, o dia estava propicio e a Mariana estava flagrando, no momento do mais alto ápice da química - aquele em que as bocas vão de encontro para efetuarem o toque mais macio e molhado que existe - porém, outra vez a bola bate na trave e Léo se esquiva da boca da linda moça, lasca um leve beijo em seu rosto e diz que foi um prazer conhecê-la. A bonitona fica expressivamente frustrada com a rejeição de um beijo - coisa que, com certeza, nunca deve ter acontecido com ela - e deixa o seu telefone, assim se despede entrando em seu carro e agradecendo pelo papo.
          Mariana assistiu tudo de camarote e percebeu que não tinha mais da onde sair outra química, outro momento mais propício para rolar um beijo se não fosse aquele. Ela realmente estranha o ato, pois, não é nem um pouco comum de um homem rejeitar uma interação tão íntima com uma mulher tão esbelta quanto aquela. Então, ela percebeu que possivelmente ele poderia estar nervoso e que talvez o melhor fosse tentar algo mais objetivo, mais fácil e que não tenha tanta interação social. Por isso, ela resolveu levar ele em um baile funk.
            Mais uma vez estavam os dois rumo à terceira tentativa de arrancar de uma vez por todas o bv de Léo. Final de semana, balada lotada para o show do Mr Catra. Se existe um show em que a pegação é algo mais comum do mundo - talvez até mesmo sexo explícito seja - com certeza é o show do Catra. Logo de cara eles se assustam com tamanha feiura dos homens e o tamanho micro das roupas das mulheres. A música começa, o público vai ao delírio com pessoas dando sarradas, rebolando as rabetas e até mesmo mostrando as tetas.
LÉO: Mari... você tem certeza de que aqui é o lugar certo?
MARIANA: Não tenho. Só que se você não conseguir disvirginar esses lábios aqui, então não conseguirá nunca mais.
LÉO: Estou com medo de acabarem me disvirginando em outro lugar, isso sim.
MR CATRA: Hahahahahaha. Quem aí tá preparado para a putaria?
PÚBLICO: Eu! [todos levantando os braços].
MARIANA: Acho que eu devia ter colocado um cinto de castidade.
MR CATRA: Meninas gostosas agora quem manda na porra toda são vocês. Homens, deixem as mulheres fazerem a parte delas. Bora então numa aquecidinha rápida, com toda a classe, com todo estilo. Vai! Senta, senta, senta, senta, senta....
LÉO: Ué, Mari, você não quer sentar?
MARIANA: Que sentar o que. Eu quero é chorar.
LÉO: O loirinho desdentado ali está te encarando.
MARIANA: Não está não, ele está te encarando!
LÉO: Então ele está querendo comer um de nós, só não se decidiu ainda.
MR CATRA: E ai loirinha? Toda rosadinha... Tá que tá que tá que tá que tá doidinha pra ahn, pra ui, pra hum.
MARIANA: Vai, Fubá, investe em alguma mulher aí. Aqui é só você escolher, dar uma sarrada no ar e  chegar beijando.
LÉO: Já to com essa moreninha aqui colada em mim, rebolando igual uma seriema em época de acasalamento. Até que tem uma bunda boa, pelo que pude sentir aqui.
MARIANA: Eu vou sair de perto. E vê se pega ela, hein!
          Logo que saiu de perto, foi para algum lugar mais alto para ver se avistava o Léo pegando a funkeira tarada. Assim que o encontrou no meio da multidão, percebeu que ele agarrou a morena, mas só pra dançar mais próximo dela. A todo instante a menina tentava beijar, tentava até pegar na jibóia dele, mas ele não a beijou de jeito nenhum, ou nem mesmo se aproveitou da situação mais quente.
          Foi quando chegou um negão sem camisa por trás dele e começou a fazer um sanduíche. Mariana percebeu que a situação estava ficando bizarra e decidiu descer na pista para resgatar ele daquele assédio. Chegou na frente do sanduíche sexual, puxou o braço do Léo até arrancar ele do meio dos tarados e ele saiu todo molhado com o suor do negão. Saíram do baile e, mais uma vez, o fracasso veio à tona e eles foram embora. Já no carro, Fubá conta dos minutos de tensão que passou.
LÉO: Que noite triste, Mari. Até que estava boa a dança com a moreninha, mas quando percebi o negão suado e praticamente nu atrás de mim, entrei em desespero. Até tentei, mas não me deixavam sair dali.
MARIANA: Ainda bem que consegui te puxar de lá daquele sanduba. Eu vi que o farol da menina tava bem aceso e a barraca do negão tava armada.
LÉO: Foi horrível, eu senti. Parecia uma mamba negra pronta para dar o bote.
MARIANA: Sorte que você está de calça, porque pelo que eu sei a mamba negra adora se enfiar em buraco. E o seu não estava muito longe.
LÉO: Nunca mais me leve em um baile funk.
MARIANA: Quero saber porque você não beijou a morena. Ela tava praticamente te comendo e você não fez nada, situação mais fácil do mundo e você não aproveitou. Você também teve a chance mais difícil, conseguiu conquistar e nada. Afinal, o que você quer, hein Fubá?!
LÉO: Eu vou te falar o que eu quero...
          Nesse exato momento, o carro estava em uma velocidade considerável na avenida e um cachorro atravessou a rua. Léo, muito desatento, acaba desviando em cima da hora, perde o controle e acaba batendo em uma árvore. Com o acidente, ele fica desacordado e Mariana se desespera e chama logo o resgate. Do nada juntou um pessoal em volta para ajudar e ela entra em choque com medo de que tenha acontecido algo grave com o Fubá.
HOMEM: Ninguém mexe nele, vamos esperar o resgate chegar. Eu sou enfermeiro, mas não posso iniciar nenhum procedimento por ele estar ainda no automóvel.
MARIANA: Ele está bem, moço?
HOMEM: Aparentemente ele está desacordado, mas não sei se houve alguma lesão mais grave e nem posso fazer nada para poder identificar. Infelizmente temos de esperar pelo resgate. O que aconteceu? Essa avenida costuma ser calma.
MARIANA: Não sei muito bem o que aconteceu. A gente estava conversando, daí ele se virou para me dizer alguma coisa e nisso um cachorro atravessou a avenida e, como estávamos desatentos, ele acabou desviando muito em cima e perdeu o controle do carro. Acho que foi isso, não sei. Estou muito nervosa.
HOMEM: Fica calma, porque ele está respirando, então não deve estar correndo risco de vida. Vamos torcer para que esteja tudo bem e que tenha desmaiado apenas pela pancada da batida.
          O resgate chegou e levou Léo direto para o hospital. Pelos exames tudo garantiu que ele estivesse bem e que apenas sofreu uma lesão na costela e no braço esquerdo. Mariana esperou a notícia boa de que tudo estava bem para poder ir para a sua casa. Ele ficou o resto da noite no hospital descansando, enquanto ela passou a noite em claro tentando entender o que aconteceu e porque ele não quis perder o bv. Logo pela manhã, Mariana ligou para Maria, a sua amiga psicóloga, e marcou um horário com ela, para entender se existe alguma razão psíquica ou psicológica para o que acontece com o Léo. Durante a tarde, encontrou-se com ela e a explicou como ele reage nessas situações mais íntimas.
PSICÓLOGA: Por tudo o que você me disse, o seu amigo parece ser extremamente introvertido, extremamente controlado e altamente inteligente. Entenda que todos esses fatores já servem como uma possível inibição do meio social, principalmente das relações afetivas que este meio proporciona. Pelo que você aponta ele consegue se comunicar, se expressar e até mesmo demonstrar interesse pela pessoa, até mesmo chega a ter contato físico mas, na hora H, não consegue beijar. Se ele não é autista, pelo que me disse, e ele também está disposto a tentar, mas não consegue ir  até o fim, supostamente ele deve sofrer de apenas uma coisa.
MARIANA: O quê?
PSICÓLOGA: Ele deve ter o que é chamado de filemafobia, que é o medo de beijar.
MARIANA: Não, mas ele me beija no rosto para se despedir todas as vezes. Já o vi fazendo isso em outras pessoas. Não pode ser o ato de beijar, apenas.
PSICÓLOGA: A filemafobia não está ligada ao beijar, somente, como o beijo no rosto, por exemplo. Está ligada ao medo de se apaixonar por alguém, também. Por isso que, quem possui esse medo, sempre trava na hora de beijar. Ou seja, é uma fobia ligada a outra. Filemafobia por causa do medo de beijar com o risco de se apaixonar por alguém e, por conta também desse medo de se apaixonar, a filofobia.
MARIANA: Então quer dizer que ele tem medo de beijar por medo de se apaixonar? Existe isso mesmo?
PSICÓLOGA: Não só existe, como é muito comum. A filofobia é mais comum, porque geralmente é derivada de traumas com relacionamentos frustrados. Já a filemafobia, que é o caso do seu amigo, é derivada de traumas exteriores a ele, isso faz com que ele rejeite a situação do contato íntimo. Pode ser por ter tido uma paixão platônica fracassada alguma vez na vida, ou se já beijou alguém e o beijo foi traumático, ou por qualquer outra influência externa. Mas, também, ele pode ter a gamofobia, que é o medo de ter um relacionamento com alguém. Existem muitas fobias referentes à relacionamentos e relações, ele pode possuir algumas delas, e para ter certeza sobre quais ele têm, apenas fazendo uma consulta, mesmo.
MARIANA: Ele nunca beijou, Maria. Acredita que ele ainda é bv?
PSICÓLOGA: Sim, acredito. Existem casos de pessoas que passam a vida inteira sem contato sexual nenhum, pois, beijar também é um ato sexual. Essa troca de sentimentos e atrito físico também ajuda a  aumentar o medo da pessoa, ainda mais quando já não se é mais tão jovem e o medo passa não só ser apenas pelo ato em si, mas, também, pelo que as outras pessoas podem achar, já que a falta de experiência pode o atrapalhar em sua futura relação, tornando uma situação frustrante para quem esteja envolvido. Então, Mari, são vários medos e restrições pelos quais a pessoa passa diariamente e quanto mais velha fica, mais se acostuma com os seus medos e cada vez mais desiste de enfrenta-los.
MARIANA: Entendi, Maria. Jamais me passou pela cabeça algo assim, achei que ele pudesse ter algum distúrbio ou algo assim.
PSICÓLOGA: Não deixa de ser um leve distúrbio, mas que às vezes nem mesmo a pessoa sabe que tem. Apenas tem esse bloqueio e não sabe o porque. O seu amigo pode ter passado por algum trauma na infância, ou adolescência, com que fez que ele não passasse por essa descoberta ainda jovem. Mas, para você vir até mim e me questionar sobre isso, deve ser porque ele é muito importante para a você, não é?
MARIANA: Ai, Maria. Lá vem você com as suas insinuações de psicóloga. Esqueço que você adora analisar os outros. Mas sim, eu tenho um carinho enorme por ele. Não sei explicar, apenas gosto muito da companhia dele, mesmo ele sendo muito estúpido e rígido em alguns momentos. É aquele tipo de homem que a gente odeia não odiar, sabe como é?
PSICÓLOGA: Para isso que você sente perante a ele tem uma explicação, uma razão muito interessante. Só que vou deixar você descobrir isso sozinha, pois tenho um paciente marcado para agora.
MARIANA: Obrigado, mesmo, Maria. Não sei como te agradecer.
PSICÓLOGA: Ah, mas isso é fácil: é só pagar os duzentos reais da consulta que fica tudo certo.
MARIANA: Hahahaha... sério?
PSICÓLOGA: Lógico que é brincadeira, boba! A consulta custa só oitenta.
          Inevitavelmente, Mariana correu para o hospital para ver como estava Léo e avisá-lo de que ele pode ter uma espécie de fobia rara. No leito, ao acabar de receber alta, ele a recebe de maneira muito triste. Ele ficou chateado e preocupado, pois, ao acordar, questionou aos médicos se ela estava bem, por não vê-la no mesmo quarto. Então, acabou se magoando pelo fato dela nem ter ficado lá com ele, esperando saber notícias sobre a melhora, ou o esperando a acordar. Mari ficou totalmente assustada com o gesto rude de Léo e o clima só piorou quando ele pediu, em forma de coice, para ela ir embora dali e a agradeceu por toda a ajuda que ela o ofereceu por todo esse tempo. Aos prantos, ela foi embora extremamente desapontada com o tratamento grosseiro dele, desejando nunca mais ter de vê-lo novamente.
          Algum tempo se passou, Léo já estava novamente em sua rotina de palestras, viajando pelo Brasil com seu amigo Théo, que agora é seu empresário. Largar a vida de programador foi uma opção inteligente, já que a remuneração com palestras hoje em dia é muito vantajosa - assim não abandona a essência de seu trabalho, estará contribuindo para a divulgação de novos conhecimentos e ainda trabalha menos tempo por dia, ganhando praticamente o triplo - e Théo viu em Léo a oportunidade de ambos fazerem seus pés de meia por meio desse trabalho, que é cem por cento honesto. Em um congresso de tecnologia no Rio de Janeiro, ainda no quarto de hotel, Léo conta o que aconteceu entre ele e Mariana, sobre o porquê se afastaram.
LÉO: Não foi fácil ter de mandar ela embora, mas eu tenho muito medo de começar algum tipo de relacionamento e acabar como os meus pais, que viveram uma grande parte da vida em brigas, desleixos e nem mesmo se amavam, estavam junto por causa de mim. Não quero isso para a vida de outra pessoa, já basta eu ter passado por isso.
THÉO: Olha, cara. Eu não sei se você presta atenção no que diz, mas deveria prestar. Os seus pais foram dois bostas no mundo, sanguessugas pra porra, cagaram para a vida e principalmente para você. Mas, meu amigo, olha tudo o que você já construiu por ter aprendido com os erros deles. Faz sentido você nunca nem se quer ter beijado alguém, perante às coisas que você passou quando criança. Só que você está se esquecendo de uma coisa, Léo, que é viver. Cara, cai fora dessa vibe aí de "estou bem sozinho" que não cola, ninguém nasce para ser sozinho no mundo. Seja para fazer coisas boas, ou ruins, sempre há a necessidade de ter pessoas por perto e, principalmente, uma que seja para compartilhar momentos incríveis e dividir responsabilidades. Você gostou da Mariana, ela com certeza também gosta de você e até apostou as fichas dela em ti. Sinceramente, eu acho que você está perdendo muito tempo ficando nesse seu mundinho fechado, sem descobrir as maravilhas que existem fora dele.
LÉO: Te entendo, sei que tudo isso é verdade, mas, quando chega a hora do vamo vê, eu simplesmente quero fugir dali, não quero encarar essa responsabilidade de dividir tarefas e compartilhar a vida com alguém que eu possa estar estragando, ou me estragando. Só que eu também quero muito falar o que sinto para a Mariana, no carro tive essa coragem de dizer o que acho que estou sentindo. É algo único, uma vontade inédita, uma parada que eu nunca senti por outra pessoa. Mas, sofremos o acidente e, ao acordar no hospital e ver que ela não estava lá, que simplesmente sumiu e me abandonou como meus próprios pais fizeram várias e várias vezes, fiquei extremamente decepcionado e frustrado. Ela era a primeira coisa que eu queria ver quando abrisse os olhos, mas ela só foi chegar lá quando eu já estava recebendo a minha alta. Essa decepção me fez a expulsar do hospital, e acho que até mesmo da minha vida.
THÉO: A vida dá voltas, Léo e ainda há tempo de tentar realizar esse seu desejo interno. Se é a Mariana a pessoa certa para arriscar e encarar os seus próprios desafios, acho que está perdendo tempo se afastando dela.
LÉO: Pela cara de arrasada que ela saiu do hospital, duvido que a Mari queira parar para me ouvir novamente. Pisei na bola, mas quem sabe um dia a gente se encontra de novo.
THÉO: É bom ligar pra ela porque esse dia, meu amigo, pode ser tarde demais.
          Congresso enorme, repleto de novidades tecnológicas e palestras com os melhores profissionais do ramo. A palestra de Léo era uma das mais aguardadas do dia e muitos já estavam à espreita para não perderem o início da apresentação. Então, as luzes se acendem e ele entra com todo o prestígio de um grande palestrante e rege a sua performance em alto nível: explica conceitos atuais e métodos inéditos de programação, divulga a sua marca e outras que também o patrocinam - sem ficar chato, sem parecer o programa da Luciana Gimenez - e tira todas as dúvidas do público, não deixa uma pulga se quer atrás da orelha de ninguém e, por fim, finaliza em alto astral, sendo ovacionado pela multidão que o assistira.
          Muito contente com o absoluto sucesso, feliz por não ter cometido nenhum erro e pronto para mais uma viagem e mais outra palestra, Léo se despediu da equipe de produção do evento, tirou foto e até mesmo distribuiu autógrafos para alguns fãs do público. No momento em que estava assinando um panfleto de divulgação sobre a sua palestra, se deparou com um cheiro de perfume muito agradável, um aroma inesquecível. Ao se virar, Léo deu de cara com a Mariana, acompanhada da sua amiga Jéssica e ficou extremamente surpreso - aquele sentimento clássico que mistura êxtase com pavor.
MARIANA E JÉSSICA: Oi Fubá.
LÉO: Oi Mari e... desculpa, qual o seu nome, mesmo?
JÉSSICA: Samantha.
LÉO: Oi Samantha, perdão pelo meu esquecimento.
MARIANA: Para de zoar ele, Jéssica. Não liga não, viu Fubá, que ela é doida assim mesmo.
LÉO: Jéssica, é mesmo. Cai na pegadinha hein, mas tava na ponta da língua o seu nome.
JÉSSICA: Aham.
LÉO: Que surpresa ótima! O que vocês fazem por esses lados?
JÉSSICA: A Mari está te perseguindo.
LÉO: Quê?
MARIANA: Não é nada disso, Léo. Cala a boca, Jéssica!
LÉO: Ela está afiada hoje, né?!
MARIANA: É uma tonta, isso sim. Então, a gente resolveu participar desse congresso, que é um dos maiores do Brasil sobre tecnologia. Estou montando o meu escritório, então preciso me atualizar. Coincidência você estar fazendo sua palestra hoje por aqui, né?
JÉSSICA: Coincidência... ahaaam.
LÉO: Coincidência mesmo, mas acho que uma hora isso iria acontecer, afinal trabalhamos no mesmo ramo.
JÉSSICA: Pois é, no mesmo ramo e ela não ganha nem a metade do que você, mas o mundo capitalista e machista é assim mesmo, não é?!
MARIANA: Jéssica, dá uma trégua!
LÉO: O que está acontecendo com você, hein Jéssica? Você não era assim...
MARIANA: Ela começou um doutorado na UNESP, arrumou umas amigas de humanas por lá e aí agora tá assim. Já já vai deixar crescer os pelos do sovaco, colocar dread e votar no PT.
LÉO: Mas veja o lado positivo, pelo menos ela não vai precisar gastar dinheiro com shampoo e creme de hidratação.
MARIANA: Pois é, vai sobrar mais dinheiro para comprar mortadela,
         Os dois riram tão gostoso juntos como há tempos não riam, desde a época de aprendizado sobre como conquistar uma mulher. Parece que a distância não atrapalhou o sentimento deles, mas deixou a Jéssica enciumada e revoltada com as piadinhas sobre ela.
JÉSSICA: Vão se catar, seus escrotos. Vou dar uma volta que eu ganho mais. [Deixando os dois sozinhos].
LÉO: Ela está brincando, ou é sério isso?
MARIANA: Ela está brincando sim, mas ainda está muito chateada por você não ter me ligado daquela vez.
LÉO: Isso faz mais de dois anos!
MARIANA: Ela é bem rancorosa, mesmo. Sabe como é né, escorpiana com ascendente em touro.
LÉO: Não faço a menor ideia. Você aceita um convite para ir tomar café?
MARIANA: Aceito.
          Foram os dois para um dos restaurantes mais tranquilos do evento, cada um pediu o seu café e um lanche para comer. Passaram no mínimo vinte minutos sem trocarem uma simples palavra, apenas gestos e olhares envergonhados faziam parte do repertório comunicativo entre eles. Até que a ansiedade começou a bater, o café e o lanche já haviam acabado e apenas os dois ainda estavam no restaurante como clientes. Foi chegada a hora da verdade, em algum momento um teria de ceder e propor o assunto mais esperado.
MARIANA E LÉO: Olha/Então.
LÉO: Pode falar você primeiro, Mari.
MARIANA: Não, Léo, pode dizer você. O que quer falar?
LÉO: Quero te pedir desculpa e até mesmo perdão pela grosseria aquele dia no hospital. Te tratei mal pra caramba, sendo que você fez um monte por mim e eu simplesmente estraguei tudo, Mari. Achei que fosse te encontrar pelo hospital ao acordar, mas você não estava e eu tive uma infância muito difícil em que era sempre abandonado pelos meus pais, então, acabei me decepcionando porque você não estava lá. Espero que possa me perdoar um dia.
MARIANA: Não precisa pedir perdão, eu também vacilei porque devia, mesmo, estar lá com você, já que eu fiquei bem depois do acidente. Eu não tenho que te perdoar de nada, Léo. E te digo mais, agora tudo ficou bem claro para mim.
LÉO: O que, exatamente, ficou claro por você?
MARIANA: O porquê de você não conseguir ter tido uma relação íntima até hoje com alguém.
LÉO: Então, isso era outra coisa que queria te falar...
MARIANA: Espera que eu não acabei ainda!
LÉO: Opa, não tá mais aqui quem falou.
MARIANA: Eu sei que você tem medo, Léo. Medo de beijar alguém e esse alguém não gostar. Medo de beijar e se apaixonar. Medo de passar a vida ao lado de alguém e esse alguém te abandonar. Medo de amar, medo de viver. Talvez até medo de não ser feliz sozinho, mesmo querendo estar. Eu sei que você tem todos esses medos, Léo. Só que eu preciso te dizer uma coisa, eu realmente gosto de você e não tinha percebido isso até o momento em que eu me preocupei com você e, mesmo tendo rejeitado o meu beijo, procurei buscar uma solução para isso. Passei por todos aqueles dias malucos de aulas e práticas para poder passar mais tempo ao seu lado. Acho que, lá no fundo, eu não te ensinei a conquistar as outras mulheres, acho que te ensinei a me conquistar. E eu sofria duplamente ao ver você tentando perder o seu bv com as outras e, também, ao perceber que não conseguia ir até o fim, E eu sofria porque eu sabia que, abrindo a porta do seu coração para essa nova descoberta, eu teria mais chances de te conquistar, então, no fundo eu precisava da ajuda delas. Eu nunca achei que fosse possível de se apaixonar por alguém mesmo sem ter tido nenhuma relação íntima, mesmo sem ter dado um simples beijo. Vim até aqui no Rio para poder te dizer isso e eu até posso passar o resto da minha vida procurando pessoas para você deixar de ser boca virgem e poder sair das garras desses seus medos que te fazem deixar de aproveitar as coisas mais simples e gostosas que um ser humano pode provar. Me comprometo a fazer isso porque eu quero passar todo o tempo possível contigo.
LÉO: Lembra daquele momento no carro, antes do acidente, que eu queria te contar uma coisa?
MARIANA: Lembro, eu até havia me esquecido. O que queria me contar?
LÉO: Que você foi a única pessoa que conseguiu me fazer sentir coisas que antes nunca havia sentido e até mesmo deixei de me preocupar tanto com horário e pontualidade que, para mim, eram essenciais e passei a praticamente não ter mais controle sobre tudo. Que eu tinha um enorme problema em interagir de maneira biológica com as pessoas, isso eu não posso negar. Tinha realmente um pavor. A primeira coisa que me chamou a atenção em você foi o seu perfume, que me trouxe calma. A segunda foi que você simplesmente se dispôs a me ajudar, a resgatar meu tempo perdido, e ninguém nunca havia feito algo assim por mim. Após isso, com os seus ensinamentos e por passar mais tempo com você, percebi que o que eu sentia não era um apreço por você estar disposta a me fazer enfrentar o que eu mais temia, percebi que eu realmente gostava da sua companhia e do seu jeito. Logo no primeiro teste eu já não tinha mais medo de beijar, porque meu maior medo mesmo era de me apaixonar por alguém e minha vida ser um fracasso, assim como aconteceu com meus pais. Só que isso já havia acontecido, Mari, eu já estava apaixonado por você. Porém, achei que não sentisse o mesmo por mim, por isso demorei para te dizer e quando tomei coragem sofremos o acidente.
MARIANA: Sério isso, Léo? Mas por que você não beijou nenhuma menina sendo que já havia perdido o medo de beijar, pelo menos para dar uma praticada. Você teve a maior chance com aquela mulher linda da cafeteria e desperdiçou.
LÉO: Eu não queria ela, eu não queria nenhuma das que fizeram parte da prática. Poxa, Mari, por medo esperei tanto tempo para dar um primeiro beijo, então não poderia ser com quem eu não estivesse realmente afim! Guardei essa nova descoberta da minha vida para você, que agora sei que também sente o mesmo e aposto que o sabor, a textura e a química desse beijo não vai me traumatizar, muito menos me causar medo.
          Sorrisos sinceros, olhares muito apaixonados, aquele 'suadô' pré-primeiro beijo, aquela angústia gostosa de só quem já passou por essa experiência sabe exatamente como é. Aquele toque arrepiante; as bocas vão se aproximando, as respirações também e, com isso, vem o abraço acalorado juntando os corpos, aproximando os sexos e o tesão que pulsa dentro de cada veia do corpo. As cabeças se inclinam, as pálpebras cegam a visão, os pescoços se preparam para serem firmes e os lábios se lubrificam naturalmente. O pico do êxtase explode ao tocar de uma boca na outra, ao massagear uma a outra e as línguas levemente vão ganhando espaço entre as cavidades bucais. O toque leve e macio de um lábio no outro, a agilidade sexy das línguas e o choque excitante entre elas. Aí está um primeiro beijo com muita ternura, carinho e paixão - dificilmente sairá da mente, um momento inesquecível na vida de uma pessoa - que faz com que todos os medos sumam imediatamente e reste apenas o prazer em forma de ocitocina.
MARIANA: Para um iniciante você beija muito bem.
LÉO: Quando se faz com amor, tudo sai perfeito. Mas te confesso uma coisa...
MARIANA: O que?
LÉO: Morri de medo de acabar usando demais a língua!
MARIANA: Hahaha bobo! O que acha de praticar mais um pouco?
LÉO: Com você quero passar o resto da minha vida praticando.
          E a história de Léo vai se encaminhando ao seu final. Com certeza a vida dele está só começando, ainda mais agora que perdeu o seu bv da forma mais romântica possível. Esse casal provou que o amor não se encontra em um simples beijo, em um sexo bem caprichado, ou nem mesmo precisa ser o lugar ou o momento ideal. O amor se encontra é no zelo da companhia; se encontra na disposição em ver a felicidade do outro; em sentir-se seguro, feliz e grato com a parceria de alguém. Nem sempre as histórias de amor começam com chicotadas, tratamentos especiais para doenças graves ou mordidas de vampiros. Até porque o amor se revela naquilo que de melhor a vida pode oferecer: a simplicidade. Um gesto de solidariedade gera amor, um gesto de bravura também, ou até mesmo um gesto compaixão. Tolos são aqueles que não sabem aproveitar dessa tal simplicidade que a vida oferece.
          Medos vêm e vão, sempre estarão presentes no dia a dia das pessoas, assim como as experiências e os desejos. Enfrentá-los é essencial para que haja o crescimento e o amadurecimento interior, abrindo o leque de conhecimento e proporcionando coisas incríveis. Fobias estão aí para serem desvendadas e testadas, pois, caso ocorresse o contrário, não existiriam parque de diversões, zoológicos, aviões, carros, humanos estranhos, palhaços e inúmeras outras coisas. Viver é se arriscar. Viver é sair do casulo e fazer da vida algo magnífico, útil, intenso e prazeroso de se gozar. E você... já procurou encarar algum dos seus medos?




Autor: Caio Estrela.

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