O ladrão do amor
Rosalinda está triste porque hoje faz dois anos que seu marido faleceu, vagando pela sala da sua casa com o retrato de seu marido nas mãos, lamenta.
Rosa: Ai que falta você me faz aqui, Adalberto. Hoje faz dois anos que você partiu, mas me lembro como se fosse hoje do Jorge aparecer aqui em casa com a notícia lamentável. Sinto muito sua falta, queria que estivesse aqui comigo me dando alegria e prazer que somente você sabe dar! Sabia, né.
Toca-se a campainha.
Rosa: Ora, mas quem será que veio me perturbar justo hoje. Se for aqueles garotinhos querendo bolacha de novo, juro que mato os dois!
Ela vai até a porta de entrada ver quem a está atormentando nesse dia tão difícil. Ao atender a porta dá de cara com a sua melhor amiga, a Gabriela.
Rosa: Oi Gabi, como você está?
Gabi: Oi Rosa, estou muito bem e você?
Rosa: Ai menina, hoje eu estou péssima.
Gabi: Nossa amiga, por quê? Ah, já sei! Você está naqueles dias, né querida?!
Rosa: Que nada boba, é que hoje faz dois anos que o Adalberto se foi. Eu ainda não me adaptei a isso, sinto muita falta dele.
Gabi: Ah querida, não fica assim. Acho que você devia começar a procurar algumas experiências mais novas, porque não dá para viver sem amor. Já faz dois anos, já deu né amiga?! Ficar se lamentando não vai melhorar a sua vida, muito pelo contrário... Durante todo esse tempo você não teve nenhuma paquerinha?
Rosa: Não amiga, nada! Eu me enterrei junto de Adalberto aqui nessa casa, parei de me cuidar... Tenho medo de não conseguir amar de novo, mas também não quero magoar Adalberto!
Gabi: Que besteira, Rosalinda! Vai magoar quem... Um defunto? O cara deve tá o pó da rabiola lá no cemitério. E você aqui, criando teia aqui nessa casa com medo de magoar um morto. Pelo amor, hein Rosa! Deixa disso, amiga, a gente precisa de carinho de homem de carne e osso.
Rosa: Nossa Gabi, que amiga que você é hein?! Mas, pensando bem, até que você tem razão. Eu preciso mesmo tentar trazer o amor de volta para a minha vida, buscar um recomeço.
Gabi: Isso! Bola pra frente, quero te ver com um sorriso de orelha a orelha e bem cuidada daqui pra frente... Mas então, Rosa, você ficou sabendo que tem um ladrão aqui no nosso bairro?
Rosa: Não, Gabi, que história é essa, menina?
Gabi: Então, parece que três vizinhas nossas foram roubadas nesses últimos dias, uma delas é a dona Maria. Coitadinha, deu um piripaque nela e ela teve que ser internada...
Rosa: Que horror! Coitadinha da dona Maria.
Gabi: Pois é. Bem, eu vou embora porque não quero te atrapalhar nesse seu momento de deprê aqui, nem o cafezinho você fez hoje.
Rosa: Tava demorando para você falar do café. Mas, tudo bem, amiga, pode ir. Eu vou aproveitar e vou tomar um banho bem gostoso e dar uma aparada em algumas coisas, dois anos sem me cuidar, já viu né?!
Gabi: Verdade amiga, aproveita para fazer isso mesmo. Qualquer coisa me liga e não esquece de fechar essa porta.
Gabriela vai embora, Rosa pega o retrato de seu marido falecido, fica alguns minutos observando e acariciando a foto. Larga o retrato em cima da mesinha e vai tomar o banho, esquecendo a porta destrancada. Ao sair do banho, se arruma e volta pra sala.
Rosa: Agora sim, cheirosinha, arrumadinha e cuidadinha!... O que eu vim fazer aqui na sala mesmo?
Rosalinda esquece-se de fechar a porta e deita no sofá para tirar um cochilo. Durante o cochilo, o ladrão que anda roubando a redondeza entra pela porta da frente, de fininho.
Ladrão: Caramba. Essa foi a casa mais fácil de invadir, a porta não estava trancada. Deve morar algum besta desinformado por aqui.
O ladrão analisa o cômodo e repara que Rosalinda está dormindo no sofá, fala baixinho pra si mesmo.
Ladrão: Olha só, o que temos aqui. Será que dessa vez eu encontro o que eu estou procurando?!
O ladrão aproxima seu rosto ao de Rosa.
Ladrão: Oi...
Rosa acorda assustada, olha fixamente nos olhos do ladrão e levanta desesperada.
Rosa: Aaaah! Socorro, socorro, socorro. Ah, meu Deus, me ajude! Socorroooo!
Ladrão: Ei moça, se acalme. Deixa eu te explicar a situação...
Rosa: Quem é você?
Ladrão: Não me conhece?
Rosa: Eu não...
Ladrão: Pois bem, prazer...
Rosa: Prazer quem?
Ladrão: Ladrão!
Rosa se desespera mais ainda e começa a gritar e correr feito uma louca até que o ladrão consegue segurá-la.
Ladrão: Se acalme mulher! Pare de agir feito uma doida.
Rosa: Pode levar tudo o que você quiser! Leve a minha bolsa, minha carteira, meu dinheiro.
Ladrão: Calma, eu não quero nada disso.
Rosa: Leva a minha televisão, minhas roupas, até mesmo a que eu estou usando, nem gosto muito dela mesmo.
Ladrão: Moça, você não está me ajudando.
Rosa: As minhas joias, meu carro. Mas, por favor, rapaz, não me mate. não me mate, eu te imploro! Tire o que quiser de mim, menos a minha vida.
Ladrão: Não é isso o que eu quero. Você não tá me entendendo!
Rosa: Eu sei que a minha vidinha é medíocre, mas eu gosto tanto dela. Por favor, não me mate! Não faça isso com uma mulher tão boa e jovem como eu. Não me mate!
Ladrão: Chega! Para de falar e deixa explicar o que eu quero. Caramba! Parece um papagaio desmiolado falando!
Rosa: Magoou.
Ladrão: Que cara é essa?! Não, não... Engole esse choro. Engole já esse choro! Agora eu posso explicar?
Rosa: Pode.
Ladrão: Muito obrigado! Eu estou procurando uma coisa que nem todo mundo pode oferecer. Acontece que faz dois anos que eu perdi a mulher da minha vida, ela morreu num acidente trágico. Desde então eu não saí mais a procura de ninguém, resolvi me fechar e guardar esse sentimento para sempre comigo. Porém, esses dias eu descobri que ela tinha um caso com um cara e que esse cara foi quem causou o acidente. Ainda bem que o filho da mãe foi para o buraco também. Mas isso me causou um nervo tão grande, que eu tenho invadido casas para testar as mulheres que eu encontrar. Quero encontrar a mulher perfeita e aquela que me conquistar com um beijo, certamente será a que vou escolher.
Rosa: Mas, isso está errado, você não pode fazer isso! Não pode sair por aí invadindo casas e ficar pegando geral! Você devia respeitar mais as mulheres e tentar a sorte marcando um encontro com alguma, como uma pessoa normal.
Ladrão: Acontece, minha cara...
Rosa: Rosa.
Ladrão: Minha cara, Rosa, que eu sempre respeitei as mulheres, principalmente a minha falecida mulher. Mas adiantou? Ela me traía sem eu saber, mesmo eu dando amor, carinho ou qualquer outra coisa que ela quisesse. Aposto que você traí o seu marido também, todas as mulheres são assim...
Rosa: Não tire conclusões sem conhecer uma pessoa! Eu jamais traí o meu marido, que, por sinal, morreu há dois anos em um acidente, também. Eu sempre fui muito fiel e serei até mesmo se achar outro homem! Quer saber, eu acho que esse papo já deu o que tinha que dar. O senhor já pode ir se retirando da minha casa.
Ladrão: Não vou. Não vou enquanto eu não terminar o meu serviço por aqui.
Rosa: Você está me assustando de novo. Vai embora, já!
Ladrão: Vem cá, moça. Quero ver se é você a verdadeira mulher da minha vida!
Rosa: Não se aproxime de mim. Não!
O ladrão começa a agarrar ela, aos poucos, tentando uma aproximação bem forçada.
Ladrão: Você tem um cheiro bom, bem arrumada, é de longe a mais bela desse bairro.
Rosa: Me larga, seu tarado!
Ladrão: Agora é a hora do beijo.
No momento do beijo, um policial entra na casa e surpreende os dois.
Policial: Parado em nome da lei!
Ladrão: Como você chamou a polícia?
Rosa: Mas eu não chamei ninguém, ele apareceu porque quis. Mas é uma boa oportunidade, não?!
Ladrão: Oportunidade de quê?
Rosalinda, que conhece o policial que entrou na casa, aproveita-se da presença dele para se afastar de vez do ladrão.
Rosa: Socorro, Jorge, me ajuda... Ele tá querendo abusar de mim, esse maníaco!
Policial: Largue já essa moça rapaz!. Se você não sabe, vai saber agora. Tu tá preso em nome da lei, vagabundo!
Ladrão: Estou sabendo já.
O policial, em plena facilidade, segura o ladrão e o encaminha para fora da casa.
Rosa: Quem avisou o senhor, Jorge?
Policial: Foram várias denúncias anônimas aqui do bairro, que alertaram uma mulher gritando e pedindo socorro e deram o endereço da sua casa.
Ladrão: Eu juro que nesse pouco tempo aqui eu senti uma atração muito forte por você. Eu já estava achando que havia encontrado a mulher certa. Uma mulher como você, que é linda, valente, honesta e sincera hoje em dia é tão difícil de encontrar. Espero que você me perdoe um dia, jamais tive a intenção de te assustar, apenas queria testar o seu amor, ou roubá-lo por alguns segundos.
Policial: Muito bonito o discurso, mané, mas agora já chega de ficar invadindo casas atrás de mulher, agora só vai chover homem para onde você vai!
Rosa: Qual seu nome, Ladrão?
Ladrão: Alfredo.
Rosa: Alfredo... Você é um idiota, sabia?!
Ladrão: Estou sabendo!
Rosa: Nunca imaginei que fosse ter o desprazer de conhecer um idiota como você, que invade a minha casa e diz ser um ladrão, mas na verdade você não passa de um desiludido no amor. Eu tenho pena de você, Alfredo.
Policial: Já deu né, Rosa, o rapaz aqui ainda vai sofrer bastante na cadeia.
Rosa: Porque você não apenas entrou na minha casa e fez o que queria fazer? Devia ter aproveitado, já que eu estava dormindo. Mas, não, você resolveu me assustar, me pirar e, agora, só na hora que você está indo pra cadeia, você me fala umas coisas dessas?!
Ladrão: Juro que falei a verdade, veio do coração mesmo. Nem eu esperava que fosse sentir isso por você! Nunca na minha vida eu pensei que fosse fazer coisas do tipo, mas foi bom porque eu encontrei você. Pena que eu estou indo preso, eu podia te fazer muito feliz.
Rosa: Eu sei disso. Me pede desculpas!
Rosalinda se aproxima do ladrão para poder ouvir o pedido de desculpas, mas, no momento em que ele iria se desculpar, ela o surpreendeu com um beijo, espontâneo e sincero, calando totalmente o ambiente.
Ladrão: O que foi isso?
Rosa: Um beijo roubado. Não era isso que você queria? Acha mesmo, depois desse beijo, que eu sou a mulher da sua vida?
Ladrão: Você é sim. Esperei muito tempo por esse beijo!
Rosa: Jorge, pode deixar ele aqui comigo, acho que temos muita coisa para conversar.
Policial: Tem certeza, Rosa, não acha perigoso?
Rosa: Ele não é perigoso não. Só um pouco maluco, mas eu também sou! Então pode ir, e obrigado por sempre me ajudar, Jorge.
Policial: Deu sorte dessa vez, mané. Mas se tentar algo, juro que não terá outra chance dessa!
O policial vai embora da casa sem tirar o olho do ladrão, deixando os dois sozinhos na casa.
Ladrão: Não caiu a ficha até agora. Você é incrível, Rosa!
Rosa: Você ainda não viu nada, meu amor. Sorte a sua que eu me dei um trato hoje, se viesse ontem eu não sei se teria se encantado por mim.
Ladrão: Eu me encantaria por você sim, mesmo não estando bem arrumada, cheirosa, ou até mesmo fedida. O seu caráter foi o que mais chamou a minha atenção, a sua beleza interior e a sua simpatia.
Rosa: Quem diria, um ladrão falando de caráter. Vamos lá na cozinha que eu vou fazer um café para nós. Temos bastante o que conversar hoje.
Os dois se encaminham até a cozinha da casa. A Rosalinda retorna à sala, abaixa o retrato do marido sobre a mesinha e volta para a cozinha para preparar o café e conhecer melhor o homem que tentou, errou, mas, mesmo assim, ainda conseguiu roubar o seu coração.
Autor: Caio Estrela.
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