No escurinho do cinema...

          Tudo começou naquele dia em que parece que qualquer coisa que fazemos dá problema. Acordei e estava um frio daqueles, muito ruim para quem tem que tomar banho para ir trabalhar. Como de costume, já arrumo a roupa que eu vou vestir e corro para o banheiro para fazer a barba e tomar um banho quentinho. No meio do banho o querido chuveiro queimou ao se esforçar demais para esquentar a água, que estava trincando por causa do frio congelante que fazia lá fora. O pior é que me deixou na mão justamente quando eu estava passando o shampoo no meu cabelo. Quase me congelei com a água super gelada, mas terminei meu banho e me arrumei para o trabalho.
          Como já disse, o dia não estava muito legal para mim. No caminho para o trabalho, um ciclista descontrolado e sacana atravessou o sinal vermelho e eu quase atropelei ele. O problema é que tive que brecar com tudo, e o carro de trás bateu na minha traseira. Claro que a culpa é de quem bate atrás, mas o culpado mesmo foi o ciclista, que fugiu sem me dar o dinheiro que eu fiquei devendo para o cara que bateu na minha traseira. Simplesmente tive que ir trabalhar com o carro batido mesmo. Muito atrasado por causa do pequeno acidente, a minha outra preocupação foi a avenida principal que estava totalmente congestionada. Meu trabalho começava exatamente às oito horas, já eram oito e quinze e eu ainda estava no meio da avenida.
          Mais do que super atrasado, logo que cheguei já levei um leve sermão de meia hora do meu chefe. Se a gente está num dia bom, garanto que a nossa explicação funciona, mas, como o dia estava indo de mal a pior, a minha explicação rendeu apenas um: "foda-se e vai tomar no cu, não estou nem aí para isso!". É muito bom passar o resto do dia com um ótimo elogio desses, mas isso não me deixou tão revoltado quanto ao miserável filho da mãe daquele ciclista. Sim, eu ainda estava pensando em como eu ia pagar os prejuízos do meu carro e do carro de trás, sendo que nem o meu próprio eu não sei se vou conseguir pagar. 
          Lá no trabalho eu tinha muitas coisas para resolver, pois, ser arquivista realmente não é uma coisa muito fácil. Ter que juntar papel, ver na onde cada um tem que ir e ter que arquivar coisas por coisas, documento por documento, é algo realmente muito estressante e que leva tempo. Não sei se foi por causa do meu dia não estar bom, ou se foi pelo fato de eu estar de cabeça quente, que eu acabei arquivando dois documentos que pertenciam ao meu chefe e que teria apenas que dar uma leve conferida pra depois entregá-los para ele. Não encontrei esses documentos e o patrão soltou um: "vai para a puta que te pariu, você não presta mesmo. Sempre fazendo cagadas!". Eu mereço isso?! Fala sério, eu sempre faço tudo certinho e, só por causa de dois erros, tenho que ser humilhado dessa maneira?! Pelo menos ele não xingou a minha mãe, isso demonstra que ele tem um pouco de respeito por mim. 
        O cuzão do meu chefe resolveu dar uma saída - acho que ele se cansou do meu péssimo serviço do dia e resolveu dar uma volta para não ter que me despedir. Do nada entrou uma loira alta de olhos azuis e corpo bem escultural. Fascinante era ela, simplesmente linda de tudo e tinha ido ao escritório para falar com demônio, digo, patrão. Aproveitei a ocasião e pedi para que ela esperasse por ele já que não demoraria pra retornar, mesmo sem saber se ele iria mesmo demorar ou não. Conversa vai, conversa vem e ela já estava ficando impaciente com a enrolação, mas eu fui gentil e generoso o tempo todo. Ela esperou uma hora lá sentada, dando altas risadas e xingando meu chefe de tudo quanto é nome e eu aproveitei para descontar a minha raiva também. Como havia notado que ela aparentemente havia gostado de mim, aproveitei e a chamei para ir ao cinema, que para a minha surpresa acabou por aceitar e se despediu com um beijo charmoso em minha bochecha. Também pegou o número do meu celular e me falou que marcaríamos mais tarde. Estava muito estranho, mas pelo menos foi uma coisa boa que havia acontecido no meu péssimo dia.
          Meu chefe chegou preocupado me perguntando se uma mulher havia ido ao escritório e surtou quando eu falei que ela tinha esperado um certo tempo e que foi embora. Depois surtou mais ainda porque eu não dei o número do celular dele para ela. Certamente já estava com meus minutos contados naquele escritório, meus dias cansativos de trabalho correto não compensariam aqueles erros mortais que eu havia cometido. De tão revoltado ele me xingou de filho da puta. Só faltava isso mesmo na lista de ofensas gratuitas do dia - seria até estranho se ele não xingasse a pobre da minha mãezinha. No final da tarde, justamente no fim do meu expediente, o demônio resolveu me dar um xeque-mate. A minha prioridade era não errar mais e que qualquer errinho besta me botaria para fora do escritório. Aproveitei que fui dispensado mais cedo e liguei para a loira linda e sensual para marcarmos a hora do encontro.
          Com tudo ajeitado para de noite eu poder curtir um filminho ao lado de uma mulher bacana e bela, resolvi pensar no que iria vestir. A decepção me veio quando abri o guarda-roupas e percebi que não tinha nada de útil e elegante. Tudo bem que armário de homem não precisa ter muita coisa bonita, mas pelo menos um conjunto sim! Não havia nenhuma peça que eu pudesse vestir para me tornar elegante, o que mais diferenciava era uma calça que estava um pouco larga e uma camisa polo rosa listrada com azul que a minha vó me deu de presente de aniversário. Para completar a tragédia visual, uma jaqueta jeans para me aquecer do frio que estava fazendo. Tive que tomar um banho à moda antiga enchendo um balde com água esquentada no fogão. Só que estava tão frio que nem a água 'queimando', que me aquecia aos poucos, não estava ajudando em nada e apenas me torturava ainda mais. Tremendo loucamente, acabei por chutar o balde e derramar toda a água fervida. Pra alegrar ainda mais o dia bosta, o resto do banho foi no gelado mesmo.
           Banho tomado e 'bem" arrumado', fui para o cinema me encontrar com a princesa com o carro batido mesmo. Cheguei no cinema com um certo tempo de antecedência, pois o filme era um lançamento e poderia lotar. A moça da cabine de ingressos era linda também, não tão esbelta quanto a loira, mas realmente era um amor de pessoa. Ficamos conversando enquanto aguardava a minha maravilhosa companhia chegar. Vários assuntos rolaram e me diverti muito com a moça. Contadora de piadas nata, baixinha, cabelos pretos bem longos e um alto astral de primeira qualidade, fora que era muito simpática. Assim que a loira chegou logo já entramos para assistir ao filme. O meu dia de azar até que estava começando a ficar muito interessante, mas estava muito bom para ser verdade.
          O filme começou e lá estávamos nós de mãos dadas, bem próximos trocando carícias. Eu tentando tirar um olhar, alguma coisa com que nos fizesse arriscar e levar mais a sério o encontro, mas ela não tirava os olhos da tela. Eu queria mais, é claro, pois não é sempre que temos a sorte de arranjar uma companhia daquela num dia cheio de azar. Até que teve uma hora que um casal se beijou no filme e ela me olhou. Então o fato mais esperado finalmente aconteceu e eu não parei de beijá-la um segundo se quer. Uma boca macia, foi um 'beijo de cinema' no escurinho de um cinema. Coisa mais romântica que isso não existe! E mais uns carinhos pra lá, beijinhos para cá e eu comecei a querer um pouco mais, afinal tivemos a sorte de sentar bem escondidos lá no fundo. Mas ela era muito consistente e não me deixava pôr a mão no 'troféu', ou 'pote de ouro', e isso estava me aborrecendo um pouco. Mas só do fato de eu ter beijado uma mulher como ela, com certeza eu já estava mais que feliz.
          Para a minha sorte, o filme começou a ficar chato e ela começou a se interessar mais por mim. A partir desse momento foi só amasso - a minha língua até adormeceu de tanto trabalho que estava fazendo - e, finalmente, a loira não resistiu e resolveu me dar uma contribuição a mais. Ela não tinha nem um pouco de vergonha e trabalhou muito bem com a mão, chegava a ser quase melhor do que eu mesmo! Então tentei retribuir, e ela não deixou de novo. Aí sim fiquei chateado com a reação dela, pois nada mais justo eu fazer a preza já que ela havia me 'dado uma mão'. Mesmo assim curti o momento e o filme acabou tão rápido que nem notamos. O que mais me surpreendeu não foi ter terminado o filme sem percebermos mas, sim, o convite dela para a gente ir a um motel. Pensei que ela fosse se fazer de difícil e deixar para outros encontros, mas a loira estava realmente muito disposta quando me fez o convite, e quem sou eu para rejeitar algo assim?!
          Na saída, me despedi da moça da cabine de ingressos e partimos em rumo ao motel. Não preciso nem comentar que era mesmo o pior dia da minha vida, o pneu do meu carro furou no meio da rodovia. No escuro tentei colocar o estepe, mas estava muito difícil de enxergar e eu também não sabia muito bem como fazer essa troca. Mais uma vez a super loira me surpreendeu, bateu no peito e falou: "deixa comigo". Botei firmeza nessa mulher, que fez tudo certinho, trocou rápido e nem fez muito esforço. Não tinha nem da onde arranjar palavras para agradecê-la, uma mulher dessas a gente não encontra por ai. Ao chegarmos no motel, deixei ela escolher o quarto e, como não era nada boba, escolheu a suíte presidencial máster supra sumo luxo.
          Como nós havíamos nos sujado trocando o pneu, a primeira coisa que eu propus foi um bom banho na banheira de hidromassagem. A loira concordou, desde que nós tomássemos o banho separado e deu a desculpa de que não queria que eu tomasse banho com ela suja daquele jeito. Desde que eu sei, a gente só toma banho quando estamos sujos, ou exaustos, e não quando estamos limpos e cheirosos. Mas tive que concordar, afinal não queria de forma alguma perder a companhia dela. Assim que ficamos prontos para começar a festa, ela já me ofereceu um champanhe que vinha incluso no aluguel do quarto e começamos a beber. Liguei um rádio que tinha lá, dançamos bem agarradinhos, muito carinho e amor durante toda a música. Mas a bebida não parava e o som também não, logo eu já estava começando a ficar meio tonto, e cada vez mais com vontade de atacar aquela loira linda e selvagem, que só me oferecia bebida e mais bebida.
           Foi quando eu já estava bem pra lá de Bagdá que ela me puxou com tudo para a cama e começou a me despir aos poucos. Tirou uma venda sei lá da onde, me cegou e pediu para eu ir tirando a roupa dela aos poucos. Me disse com ênfase no ouvido: "quero que senta cada centímetro do corpo gostoso.". Fiquei pirado nessa ideia e comecei bem devagarzinho a tirar peça por peça. Tirei primeiro a blusa, o sutiã e comecei a tocar o corpo 'violão' dela. Fui mais a baixo e tirei a sua calça e fui tocando de pouco a pouco até chegar no pote de ouro. Finalmente eu cheguei até na base da calcinha e cheguei a rasgar de tanta vontade, porém tive a péssima ideia de meter a minha mão a dentro com tudo. Era mesmo o pior dia da minha vida! Minha mão cumprimentou de leve um senhor peru que estava ali no meio. Sim, era uma mulher de tromba!
           Por mais que eu estivesse bêbado não conseguiria driblar esse lance e terminar a noite bem. Não tem como. Jamais pensei que fosse pegar em algo que seja maior que o meu em toda a minha vida. Minha decepção foi tão grande que não tive uma reação lúcida no momento, apenas tirei a venda com tudo e me joguei da cama. Implorar para que ela, ou ele, saísse era algo que eu mais fazia. A loira, ou o loiro, se vestiu e falou que pensou que eu fosse gostar pois ela estava realmente me achando um cara muito legal e que eu poderia ser diferente. Naquele momento eu apenas fiquei com dó da menina homem e falei para ela: "nem todo homem vai gostar, mas o que gostar realmente será o que está dentro do coração dela, assim como você estaria no coração dele também!". Mesmo assim, o travesti foi embora triste e eu fiquei ainda mais porque não acreditava em como é possível que um ser humano possa ter um dia tão ruim assim.
           Sem esperanças de ver o meu dia acabar bem, fiquei chorando na frente do motel. Até que senti um leve toque na minhas costas e quando me virei fiquei mais do que surpreso com a pessoa que eu vi. Era a moça da cabine do cinema e perguntei a ela o que ela fazia ali no motel em plena madrugada. Ela me disse que depois do expediente do cinema ela vai para o motel trabalhar também, já que precisa de um bom dinheiro para pagar o curso técnico que ela faz de manhã e para poder se manter na cidade. Era mesmo um amor de pessoa, me acolheu e ouviu a minha história maluca de como o meu dia foi horrível. Interessante que ela me falou: "na vida coisas boas acontecem até mesmo num dia ruim.". E me perguntou o que de bom havia acontecido no dia. Eu pensei um pouco e olhei para aqueles olhos lindos e um sorriso maravilhoso que vinham dela e falei: "a única coisa boa foi eu ter conhecido você.". Ela ficou muito feliz ao saber disso e, finalmente, descobri algo muito bom no meu dia infeliz.
           Apesar das desventuras, ela ainda não deixou eu pagar o motel. Me falou que eu não aproveitei o quarto como devia e que só vou pagar quando eu realmente aproveitar de verdade e sair de lá feliz. No final das contas acabei pegando o celular dela e estou pensando de marcar um cinema com ela qualquer dia desses. Consegui consertar o meu carro,  também encontrei o rapaz da bicicleta e pedi para ele o dinheiro para o conserto do carro do cara que bateu em mim - ele não queria me dar, mas o forcei a me pagar, afinal com a polícia por perto tudo se resolve! E uma coisa que eu fiquei sabendo foi que a mulher macho com que eu saí naquele dia está de rolo com o meu chefe. Parece que ele a conheceu numa partida de poker num casino da cidade e havia a convidado para conhecer o trabalho dele, além de oferecer um desconto no arquivamento de um documento. Pelo visto, quem anda arquivando algumas coisas é ele, mas se curte e está feliz ao lado da mulher de tromba, isso é bem melhor para mim. Pelo menos ele para de pegar no meu pé para pegar em outras coisas maiores! Assim, vou levando a vida e espero não ter que passar por mais um dia ruim como o deste relato. E se caso aconteça de novo, nem irei me preocupar, pois, já sei que algo bom sempre irá acontecer. Afinal, agora eu compreendo porquê Deus escreve certo por linhas tortas.


Autor: Caio Estrela.

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